
A dermatite atópica (DA) é uma patologia que muito impacta a qualidade de vida dos doentes, especialmente a DA moderada a grave, que é uma doença inflamatória crónica com uma prevalência de 10 a 30% nas crianças e 2-10% nos adultos, sendo que a maioria dos casos de DA se desenvolve até aos cinco anos de idade, pelo que o diagnóstico e intervenção clínica precoces são de extrema importância. Em entrevista, a pediatra Ana Rita Araújo, da ULS de Santo António, partilhou a sua opinião sobre esta doença inflamatória e de como novas abordagens terapêuticas vieram impactar o tratamento e qualidade de vida.
A fisiopatologia da DA é complexa e multifatorial. São vários os fatores, genéticos e ambientais, envolvidos na patogénese da doença, numa provável relação entre si de sinergismo causal: disfunção da barreira epidérmica, desregulação imune e disbiose da flora comensal da pele. A evidência atual sugere que existe uma forte componente genética com taxas de concordância de até 80% em gémeos monozigóticos (comparativamente a 20% em gémeos dizigóticos).
A epiderme, que constitui a primeira linha de defesa entre o organismo e o ambiente externo, é responsável por evitar a entrada de diversos alergénios, irritantes e agentes microbianos, bem como de limitar a perda excessiva de água para o exterior. A epiderme de indivíduos com DA é caracterizada por uma função de barreira alterada, com aumento significativo de perda de água transepidérmica. A barreira cutânea lesada proporciona a libertação de citocinas como a TSLP (linfopoietina do estroma tímico), interleucina IL-33 e IL-25, consideradas alarminas que promovem a desregulação imunológica ao nível da derme. Nestes doentes, a ativação dos receptores da imunidade inata e a resposta essencialmente mediada por células Th2 tem como mediadores principais as interleucinas IL-4, IL-5, IL-13 e IL-31, com produção de eosinófilos, Imunoglobulina E, inflamação cutânea e potencial sensibilização alérgica sistémica. A IL-4 e IL-13 vão desregular as proteínas da barreira cutânea, alterar o componente lipídico, promover o prurido neurogénico, a disrupção das tigh junctions (facilita a entrada de alergénios) e promover a disbiose cutânea. Resumidamente, a disfunção imune do tipo 2 e a disfunção da barreira perpetuam-se mutuamente.
De uma forma genérica, a DA caracteriza-se por lesões cutâneas recorrentes associadas a prurido intenso. A apresentação clínica varia com a idade:
- Dos 0 aos 2 anos há predomínio de pápulas ou placas eritematosas descamativas, pruriginosas, com ou sem exsudação e crostas, na região malar, couro cabeludo, superfície extensora dos membros e/ou tronco. Geralmente a área da fralda é poupada.
- Dos 2 aos 16 anos predominam placas eritematosas ou eritemato-descamativas, com ou sem exsudação e/ou liquenificação, nas zonas flexoras (especialmente nas pregas antecubital e poplítea), dorso das mãos, região peri-orbitária e peribucal.
- Após os 16 anos o atingimento é mais localizado, com aumento da liquenificação. Geralmente afeta as pregas cutâneas. Menos frequentemente pode atingir face, pescoço, mãos e pés.
É importante realçar que qualquer área do corpo pode ser envolvida nos casos mais graves, independentemente da idade, apesar da presença em localizações mais atípicas necessitar da consideração de outros diagnósticos.
O impacto na vida dos doentes ultrapassa a afetação cutânea, sobretudo na doença moderada-a-grave. A DA associa-se a depressão, ansiedade, declínio da autoestima e/ou impacto social e nas atividades da vida diária. Além disso, o prurido associado interfere de forma significativa com o sono, com impacto no comportamento diurno e dificuldade na produtividade. Há estudos que associam a DA com a Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção. É fundamental estar atento à saúde mental do doente com DA.
A DA geralmente surge antes dos 5 anos (95%) e até 60% entra em remissão na fase da adolescência. A persistência da doença em idade adulta associa-se a eczema mais grave, aparecimento mais tardio (a probabilidade de persistir será duas vezes superior nos que desenvolvam doença entre os 2 e 17 anos comparativamente aos que desenvolvem doença antes dos 2 anos de idade), polissensibilização a múltiplos alergénios e mutações no gene da filagrina. A DA associa-se a um decréscimo na qualidade de vida, sendo este impacto tão mais significativo quanto maior a gravidade da doença.
A inflamação tipo 2 causa um atingimento sistémico e pode associar-se a várias patologias alérgicas. A expressão desta patologia vai depender da natureza do alergénio e a parte do organismo afetado. Sabemos que na DA pode haver coexistência de rinite alérgica em cerca de 50% dos doentes, asma em 47% e alergia alimentar em cerca de 30%. 38% dos doentes apresentam a tríade atópica de DA, asma e rinite alérgica.
O Pediatra tem um papel fundamental pois pode atuar na prevenção, diagnóstico e tratamento da dermatite atópica. No meu entender a abordagem inicial do eczema pode ser feita na consulta de Cuidados de Saúde Primários e Pediatria Geral. No entanto, os casos de DA moderada a grave devem ser sempre referenciados para centros especializados onde seja possível uma abordagem multidisciplinar. Penso que é fundamental a abordagem conjunta de especialidades como a Pediatria, Genética, Imunoalergologia e Dermatologia para perceber as comorbilidades associadas e instituir a abordagem terapêutica mais eficaz. A visão global do doente permite que sejam implementados tratamentos mais personalizados e seguros.
A DA segue um curso maioritariamente crónico recidivante ao longo de meses a anos. O diagnóstico precoce permite a implementação dos cuidados de forma a repor a barreira cutânea e prevenir a progressão da doença. Os objetivos terapêuticos devem ser reduzir a extensão e gravidade das lesões, reduzir o prurido e melhorar a qualidade do sono, manter normais atividades diárias, melhorar a qualidade de vida, maximizar os períodos livres de doença, prevenir complicações infeciosas e evitar/minimizar efeitos adversos do tratamento. Os doentes com doença ligeira podem ter agudizações intermitentes com remissão espontânea, mas aqueles com doença mais grave raramente resolvem sem tratamento mais específico. O profissional de saúde deve saber reconhecer os sinais que indiciam a necessidade de cuidados mais diferenciados como: exacerbações frequentes, resposta insuficiente ao tratamento tradicional e impacto significativo na qualidade de vida.
Na criança ou adolescente com DA do tipo 2 é importante perceber a relação do eczema com a sensibilização a alergénios alimentares ou aeroalergénios. Não devem ser implementadas dietas restritivas se não houver evidência de alergia alimentar. Em casos selecionados pode ser prescrita imunoterapia específica para aeroalergénios com benefício da patologia respiratória e da DA. É fundamental a educação e esclarecimento do doente e familiares para a manutenção de cuidados de higiene e hidratação para pele atópica. Quando a dermatite atópica é grave e/ou refratária aos tratamentos de primeira linha (tópicos) os doentes devem ser encaminhados para centros que permitam uma abordagem multidisciplinar para avaliar a necessidade de terapêutica de segunda linha (agentes imunossupressores sistémicos ou terapêutica biológica). Antes do advento dos medicamentos biológicos, eram utilizados fármacos que induziam imunossupressão alargada e efeitos secundários potencialmente graves. A introdução da terapia biológica representa um avanço muito significativo pois representa um tratamento dirigido, com perfil de segurança e tolerância aceitável e ótimos resultados.
Segundo um estudo de 2020 da NOVA IMS (escola de gestão de informação e de ciência de dados da Universidade Nova de Lisboa), em parceria com a Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venereologia (SPDV) e a Associação Dermatite Atópica Portugal (ADERMAP) existe um impacto económico anual por absentismo e perda de produtividade de cerca de 1477 milhões de euros. Ademais, no que respeita às despesas em produtos e serviços de saúde, deslocações e tratamentos complementares, a DA representa um custo anual de 1018 milhões de euros, sendo 800 milhões de euros a despesa total anual para os doentes. Os doentes gastam em média 1818€ por ano na gestão da sua doença, deslocações e tratamentos complementares.
Depois do exposto, penso ser primordial a sensibilização dos cuidados de saúde primários e pediatras gerais para a prevenção e diagnóstico precoce da dermatite atópica. No caso de DA moderada a grave é fundamental a referenciação para centros onde seja possível a abordagem multidisciplinar e a realização de diagnóstico diferencial com outras patologias. Desta forma, estará garantido o tratamento mais diferenciado, eficaz e seguro. A existência de novos fármacos, nomeadamente biológicos, permite obter resultados significativos e melhoria substancial da qualidade de vida dos doentes. Em simultâneo, deveria haver comparticipação dos produtos de higiene e hidratação para pele atópica de forma a minorar o impacto económico nas famílias e doentes.
MAT-PT-2500267 – v1.0 – Abril 2025
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