
A dermatologista Rita Travassos, da ULS de Santa Maria, acompanhou o 2025 American Academy of Dermatology Annual Meeting, que decorreu em Orlando (Flórida) entre os dias 7 e 11 de março. Em entrevista, abordou alguns tópicos relativamente a esta reunião, bem como a aspetos importantes associados à dermatite atópica e outras patologias da pele.
Em linha com as apresentações do congresso, e também com a evidência científica, a especialista começou por assinalar a evolução rápida que se tem assistido na área da dermatologia. Neste sentido, destacou como impulsionadores associados a avanços tecnológicos e científicos, a inteligência artificial (IA) bem como o diagnóstico digital, a otimização de plataformas de teledermatologia, a existência de terapia personalizadas, novas moléculas para o tratamento de doenças da pele bem como avanços nas áreas cirúrgicas e estética.
A IA e o diagnóstico digital vão rapidamente tornar-se uma realidade na prática clínica, no diagnóstico precoce do cancro da pele, bem como no acompanhamento de lesões pigmentadas (dermatoscopia assistida por IA), mas também noutras patologias da pele com algoritmos que permitirão uma avaliação e categorização dos doentes mais facilitada. Em termos de plataformas de teledermatologia a sua otimização vai permitir ainda uma expansão do atendimento remoto com análise automatizada de imagens da pele. Os avanços ao nível da avaliação genética e o aparecimento de novos biomarcadores continuará a permitir o desenvolvimento e aplicabilidade de terapêuticas alvo, como a imunoterapia, no tratamento de neoplasias cutâneas.
Já uma realidade tem sido o desenvolvimento de terapêuticas personalizadas, de novas terapêuticas biológicas, novos fármacos, nomeadamente dos inibidores da Janus Associated Kinases (JAK) nas doenças inflamatórias e autoimunes. A especialista destacou também avanços nas áreas da cirurgia e estética, com os desenvolvimentos observados em termos da engenharia de tecidos e regeneração da pele, ou de células-tronco para regeneração cutânea. Em termos cirúrgicos e estéticos, o desenvolvimento de novos lasers ou de outros dispositivos semelhantes, permitirão uma melhor eficácia no tratamento com minimização dos riscos de efeitos adversos.
A especialista referiu que, no AAD2025, foram apresentados novos mecanismos para fornecer energia laser de forma tridimensional, em que além do comprimento de onda, uma ponta especial - focal point technology permite maximizar a eficácia no alvo, com controlo mais preciso sobre profundidade e intensidade, poupando a epiderme. Conclui referenciando que a Dermatologia nos próximos anos será cada vez mais digital, personalizada e eficiente, com grandes avanços na estética, no diagnóstico e no tratamento de doenças cutâneas.
Os avanços, na opinião da especialista, terão impacto na abordagem de algumas patologias, com uma evolução no sentido da personalização dos tratamentos resultado da evolução do conhecimento da fisiopatologia das doenças. Adicionalmente, o recurso a estudos genéticos e biomarcadores permitirá também uma categorização e uma melhor definição das características individuais dos doentes.
“Deve olhar-se o doente na globalidade e em Dermatologia com especial atenção ao foro metabólico, nomeadamente a resistência à insulina e à síndrome metabólica, uma vez que o seu tratamento poderá ter impacto na melhoria de algumas patologias cutâneas, como por exemplo, a hidradenite supurativa”.
Marcha atópica
No que diz respeito à marcha atópica, os fatores destacados pela dermatologista a considerar são:
- Genética: crianças com pais alérgicos têm maior risco.
- Disfunção da barreira cutânea: defeitos na filagrina aumentam a permeabilidade da pele e facilitam a sensibilização alérgica.
- Exposição ambiental: contato precoce com alérgenos, poluição e infeções respiratórias podem influenciar a progressão.
Em jeito de resumo, “é importante o reconhecimento e intervenção precoce na marcha atópica de modo a minimizar a sua progressão”. A compreensão da marcha atópica trouxe mudanças importantes na abordagem do doente atópico. “O tratamento da DA vai para além do controle da inflamação cutânea, exigindo uma visão mais ampla para prevenir ou minimizar a progressão para outras manifestações alérgicas”.
Gestão e abordagem da marcha atópica
Na gestão da marcha atópica deve ser considerada uma abordagem preventiva e individualizada, isto é, a DA não deverá ser abordada isoladamente, mas sim num contexto de propensão à atopia sistémica e neste sentido deve-se identificar precocemente fatores de risco, como a história familiar, ou a presença de mutações na filagrina ou um início precoce de DA. Adicionalmente deve-se observar e acompanhar a integridade da barreira cutânea, uma vez que o seu dano propicia uma sensibilização a alérgenos. Por fim deve-se promover a educação do doente e familiares sobre a progressão da atopia e de estratégias de prevenção.
Uma monitorização de outros sintomas para além dos sintomas cutâneos deve também ser realizada, uma vez que os sinais precoces da progressão da marcha atópica podem surgir mesmo antes de um diagnóstico formal de rinite ou asma. Como tal, a nível respiratório é importante atentar em situações de obstrução nasal frequente sem infeção aparente, ou tosse persistente, especialmente noturna ou de casos de sibilância recorrente ao longo dos anos. A nível gastrointestinal, associados a alergia alimentar, casos de refluxo, cólicas severas, diarreia crónica ou obstipação não devem ser ignorados. A apresentação de dermatite perioral ou perianal associada a exposição alimentar deve ser motivo de alerta para o especialista. Situações de conjuntivite alérgica (prurido ocular, lacrimejamento, hiperemia) ou sintomas neurocomportamentais como distúrbios do sono por prurido intenso e ansiedade não devem ser também ignorados pelo especialista.
Para reduzir a progressão da marcha atópica é importante a hidratação intensa e uso de emolientes para reforçar a barreira cutânea; o controlo agressivo se sintomas de inflamação precoce, se necessário recorrendo a corticoides tópicos, inibidores de calcineurina, fototerapia ou dupilumab nos casos mais graves. É também importante evitar irritantes e possíveis alérgenos ambientais, bem como a monitorização regular e encaminhamento precoce para alergologia/pneumologia se necessário.
A especialista referiu a importância do diagnóstico e tratamento precoces, e neste sentido referiu a palestra do Professor Eric Simpson, expert nesta área, em que referiu que “a gravidade da DA não só aumenta o risco de comorbilidades atópicas, mas também da gravidade das mesmas”, destacando a importância de “uma abordagem agressiva mais precoce, como uma janela de oportunidade para maximizar impacto do tratamento”1,2.
Anticorpos monoclonais no tratamento da DA: game-changer
Neste congresso da AAD em Orlando, foram apresentados estudos com o método de tape-stripped skin (muito menos invasivo do que as biópsias de pele) que permite a caraterização do fenótipo molecular da pele, nomeadamente a presença de imunomarcadores da DA e de outras doenças inflamatórias. A especialista identificou uma sessão apresentada pela Professora Emma Guttman-Yassky (Mount Sinai, NY), em que a utilização do dupilumab como terapêutica resultou na downregulation dos marcadores TH2.
“Na idade pediátrica, o impacto das terapêuticas sistémicas inovadoras, como o dupilumab, tem sido extremamente positivo, transformando a abordagem da DA moderada a grave”, salientou. Tradicionalmente, o manejo da DA em crianças dependia de terapias tópicas intensivas e, em casos mais graves, de imunossupressores sistémicos, muitas vezes com preocupações de segurança a longo prazo.
Os principais benefícios do dupilumab na idade pediátrica:
- - Segurança e eficácia comprovadas – Estudos clínicos demonstram que o dupilumab é eficaz e seguro em crianças a partir dos 6 meses, reduzindo a inflamação cutânea, o prurido e a necessidade de corticosteroides tópicos.
- - Melhoria na qualidade de vida – O prurido intenso e as lesões cutâneas afetam o sono, o desempenho escolar e o bem-estar emocional das crianças. Com a redução dos sintomas, há uma recuperação significativa na qualidade do sono, na interação social e na autoestima.
- - Redução da necessidade de corticoterapia sistémica– Evita os efeitos adversos associados ao uso prolongado de corticoides, como alterações metabólicas e do crescimento.
- - Facilidade de administração – Sendo um anticorpo monoclonal administrado por via subcutânea com a possibilidade de espaçamento progressivo das doses, representa uma alternativa viável para pais e cuidadores que lidam com a dificuldade da adesão a terapêuticas tópicas extensivas.
- - Intervenção precoce e prevenção de complicações – Ao controlar a inflamação de forma sustentada, pode ajudar a prevenir a progressão da doença e o risco de desenvolver outras condições atópicas, como asma e rinite alérgica.
Foi sem dúvida um marco importante na transição para abordagens mais direcionadas e seguras na dermatologia pediátrica.
“As doenças dermatológicas, nomeadamente a DA, podem ter um elevado impacto no desenvolvimento físico e intelectual dos doentes em idade pediátrica”, destacou a dermatologista. As doenças dermatológicas são frequentemente vistas pela população em geral e mesmo pelos médicos de outras áreas, como condições restritas à pele, não sendo valorizado o verdadeiro impacto que têm no desenvolvimento da criança.
“É importante também considerar o impacto da restrição do sono na DA e no rendimento escolar, assunto já debatido há muito”. O impacto do excesso de corticoides orais nestes doentes também deve ser considerado, nomeadamente no crescimento/desenvolvimento estatural.
E, nesse âmbito, a especialista destacou o poster com o título de “Characterizing Dermatologic Conditions Impacting Children with Intellectual and Developmental Disabilities” de Josmar Flores et al. Neste estudo, são incluídas crianças com distúrbios intelectuais e do desenvolvimento, que apresentam risco de várias comorbilidades, sendo as doenças dermatológicas das mais comuns e muitas vezes ignoradas. Assim, tendo recorrido ao TriNetX Research Network, os autores identificaram 53,801 doentes que preenchiam os critérios de distúrbio do desenvolvimento intelectual e destes, 41% (22,090) apresentavam uma patologia da pele, sendo a mais frequente a dermatite e eczema (ICD-10-CM codes L20-L30) - 24% destes doentes.
Este estudo alerta para a necessidade de estarmos atentos e intervirmos neste grupo de doentes, que pela sua condição acabam por estar numa posição de maior risco na sociedade, podendo não ocorrer uma intervenção terapêutica tão precoce ou efetiva como nas restantes crianças, por desconhecimento, receio de interações medicamentosas e até menor procura de cuidados dermatológicos.
Um outro estudo destacado pela dermatologista com o título de "Growth Analysis in Children Aged Less Than 12 Years with Moderate-to-Severe Atopic Dermatitis"3 e publicado no Journal of the American Academy of Dermatology4 avaliou os padrões de crescimento em crianças menores de 12 anos com DA moderada a grave. Foi demonstrado que uma percentagem maior de crianças com DA que estavam abaixo do percentil 25 de altura na linha de base tiveram melhorias superiores a 5 pontos percentuais com o tratamento com dupilumab às 16 semanas. Os dados sugerem que crianças mais novas com DA mais grave e em percentis de altura mais baixos correm o risco de permanecer em percentis de altura mais baixos à medida que progridem para a adolescência se não forem tratadas precoce e efetivamente.
- Silverberg JI, Simpson EL. Association between severe eczema in children and multiple comorbid conditions and increased healthcare utilization. Pediatr Allergy Immunol. 2013;24(5):476-486. doi:10.1111/pai.12095
- Yamamoto-Hanada K, Kobayashi T, Mikami M, et al. Enhanced early skin treatment for atopic dermatitis in infants reduces food allergy. J Allergy Clin Immunol. 2023;152(1):126-135. doi:10.1016/j.jaci.2023.03.008
- Veehof MM, Oskam MJ, Schreurs KMG, Bohlmeijer ET. Acceptance-based interventions for the treatment of chronic pain: A systematic review and meta-analysis. Pain. 2011;152(3):533-542. doi:10.1016/j.pain.2010.11.002
- Paller AS, De Bruin-Weller M, Marcoux D, et al. Real-world treatment outcomes of systemic treatments for moderate-to-severe atopic dermatitis in children aged less than 12 years: 2-year results from PEDIatric STudy in Atopic Dermatitis. J Am Acad Dermatol. 2025;92(2):242-251. doi:10.1016/j.jaad.2024.09.046
MAT-PT-2500254
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